Tarrafal acolhe Ler África Ibero América, “onde a liberdade foi retirada, mas a palavra resistiu”

O encontro realizou-se na sequência da IV Conferência Internacional das Línguas Portuguesa e Espanhola (CILPE), que teve lugar na cidade da Praia, de 11 a 12 de novembro.
Nos dias 13 e 14 de novembro, o Ler África Ibero América, uma iniciativa coorganizada por várias entidades incluindo a Organização de Estados Ibero-Americanos (OEI), ocupou vários espaços da cidade do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Escritores, gestores culturais, autoridades e sociedade civil reuniram-se para debater políticas de promoção da leitura e da literatura, orientadas para um diálogo entre línguas portuguesa, espanhola e línguas nacionais.
O encontro dinamizado sob o lema “Resistência como Utopia, Utopia como Resistência” começou no Museu do Campo de Concentração do Tarrafal, um lugar historicamente marcado pelo período colonial e ditatorial português, “onde a liberdade foi retirada, mas a palavra resistiu”, como afirmado pelo Presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves, durante a sessão de abertura.
Para Ana Paula Laborinho, diretora-geral de Multilinguismo da OEI, esta iniciativa é importante porque as “democracias também se constroem com base na cultura e na diversidade linguística”. O ministro da Cultura de Cabo Verde, Augusto Veiga, sublinhou a “suma relevância literária e cultural” deste projeto. Estiveram também presentes o presidente da Câmara Municipal do Tarrafal, o músico e escritor Mário Lúcio, Inés Miret e Dolores Prades, do Laboratorio Emilia, e José Castilho, consultor cultural.

Durante este festival, foi inaugurada a Casa do Livro e da Leitura do Tarrafal, um trabalho que reuniu vários esforços para recuperar um espaço público da cidade e dar novas possibilidades à população. Contou com doações de livros de vários participantes da CILPE 2025, autoridades e convidados do Ler África Ibero América.
O livro da última edição do Atelier Poético – Residências em movimento, o projeto de mobilidade internacional de poetas da OEI, foi apresentado durante o painel sobre multilinguismo, estando já disponível online. Contou com participação de Ana Paula Laborinho, Joana Pinho, responsável da organização do FÓLIO, e Mariana Migliari, técnica da área de Multilinguismo da OEI.

O papel das línguas na identidade, resistência e democracia
Entre sessões de leitura e contacto entre oradores e sociedade civil, debateu-se o papel das línguas nacionais na criação literária, nos diálogos entre esses idiomas, o português e o espanhol, e a importância dos direitos culturais na consolidação das democracias.
No painel Identidade e Resistência, o escritor moçambicano Ungalani Ba Ka Khosa ressaltou a diversidade linguística de Moçambique, que conta com 23 idiomas nacionais. “Nós escritores moçambicanos vamos sempre à procura de elementos que a língua portuguesa não comporta”, afirmou Ungalani. José Luiz Tavares, escritor cabo-verdiano, falou da importância de resistir às violências contra as línguas minoritárias e de trabalhar a oficialização da língua cabo-verdiana. Os benefícios da relação entre as línguas portuguesa e espanhola e os idiomas nacionais foi ressaltado.

Raphael Callou, diretor-geral de Cultura da OEI, apresentou as iniciativas de promoção da leitura da organização e as colaborações com entidades como a CERLALC, durante o painel “Leitura, cidadania e democracia”. A OEI tem trabalhado vários projetos que contribuem para os direitos à leitura, escrita e oralidade, sobretudo das línguas indígenas, que são “dos mais elementares a nível dos direitos culturais”, mencionou o diretor. Durante o debate, refletiu-se também sobre o papel da leitura na construção do espírito crítico e reforço das democracias.
Na conversa sobre “Literatura e Diversidade”, Trifonia Melibea Obono, da Guiné-Equatorial, abordou a resistência queer e a produção literária no país e, por outro lado, Yao Jing Ming, poeta macaense, falou da necessidade de preservar a língua portuguesa em Macau, como algo que caracteriza a região e a distingue de outros lugares da República Popular da China. O escritor Mário Loff, de Cabo Verde, apontou várias idiossincrasias do país refletidas na sua criação poética, nomeadamente, o papel das badias, mulheres da ilha de Santiago com um papel importante na preservação do crioulo da ilha.
Ler África Ibero América volta em setembro do próximo ano ao Tarrafal, para continuar a celebrar a diversidade cultural e a construir laços entre países e regiões.






