CILPE 2022: estudo mostra que a hegemonia dos grandes índices científicos comerciais prejudica o multilinguismo, com publicações principalmente em inglês
Devido à tendência para substituir as línguas nativas em favor do inglês nas publicações científicas, a OEI recomenda o reforço contínuo da produção e divulgação científica, tanto de instituições nacionais como de redes regionais e multilaterais.
Um estudo apresentado nessa quinta-feira (17) em Brasília, na 2ª Conferência Internacional de Línguas Portuguesas e Espanholas (CILPE), aponta os fatores que levam à preferência pela publicação de estudos em inglês, em detrimento das línguas portuguesa e espanhola.
O relatório “Portugués y español en la ciencia: apuntes para un conocimiento diverso y accesible”, elaborado pela Organização de Estados Ibero-americanos (OEI) em colaboração com o Elcano Royal Institute, aponta, entre os principais fatores, a hegemonia dos principais indicadores comerciais que acabam por definir as línguas em que as publicações serão feitas.
Para Ángel Badillo do Instituto Elcano, o modelo atual fomenta o “monolinguismo” e a hegemonia do inglês. “O modelo atual cria formas de desigualdade na disseminação do conhecimento científico”, adverte o chefe do estudo. Badillo também chama a atenção para a questão dos artigos pagos em revistas: “muitos cientistas não podem pagar e isso não estimula o multilinguismo”, lamenta.
Após a apresentação do estudo, iniciou-se a mesa de debate do eixo 1 “Ciência Multilingue: Português e Espanhol na Ciência”, na qual foram discutidos os principais desafios e oportunidades com diagnósticos sobre a situação do português e do espanhol como línguas da ciência.
No debate, os investigadores convidados mostraram que, apesar da hegemonia do inglês, o número de investigações e estudos relevantes em português e espanhol está crescendo.
Para Margarita Correia, pesquisadora da Universidade de Lisboa, a solução não é combater o inglês, mas saber utilizar a língua a favor dos pesquisadores ibero-americanos. “Temos que construir pontes entre os cientistas e a nossa sociedade, é a sociedade que paga o nosso trabalho através dos impostos”, disse ela.
Diante desse desafio, algumas das sugestões apresentadas pela OEI incluem a promoção de instrumentos de circulação de acesso aberto em espanhol, português e nas principais línguas nativas da região.
Para o coordenador do eixo 1, Gilvan Müller de Oliveira, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), identificar os principais obstáculos é o primeiro passo para que os países ibero-americanos se unam em torno de uma solução.
Também participaram dessa mesa de discussões Rainer Enrique Hamel, da Universidade Autónoma Metropolitana de Iztapalapa, México; Andrea Vieira, da CAPES/Brasil; Elena Giménez Toledo, do Consejo Superior de Investigaciones Científicas espanhol; e José Paulo Esperança, da Fundação Portuguesa para a Ciência e Tecnologia.
A mesa de debates “Línguas, tecnologia e inovação”, coordenada por António Branco, da Universidade de Lisboa, centrou-se na análise do espaço web ocupado pelas línguas portuguesa e espanhola e no desenvolvimento das tecnologias linguísticas. O investigador Hannes Kalisch, do Instituto Nengvaanemkeskama Enlhet no Paraguai, salientou que existem atualmente excelentes ferramentas de comunicação no mundo digital, mas alertou que todas elas foram concebidas na ausência de línguas e culturas indígenas, o que só aumenta a dificuldade da inclusão digital. “A Internet facilita muito a comunicação entre as comunidades e entre os povos. Não se pode permitir que as tecnologias aumentem a desigualdade e o isolamento das comunidades indígenas”, concluiu.
Inovação e tecnologia: comunicação e economia criativa na era digital
O metaverso, a propriedade intelectual, o NFT (non-fungible token, ou em tradução livre, tokens não fungíveis) e a economia criativa também fizeram parte do programa do dia com o debate “Cultura, diversidade e inovação”. Coordenado por Andrés Gribnicow, diretor da Asociación de Amigos del Museo Nacional de Bellas Artes de Argentina, os oradores do painel sobre a economia criativa e as novas tecnologias discutiram as formas como a cultura é distribuída e consumida no mundo. Além de expor como os agentes criativos da indústria entraram em plataformas digitais.
Diretamente do Chile, Sofía Lobos, da plataforma Latinoamérica Creativa, falou de ações eficazes para reforçar a economia criativa, garantir a propriedade intelectual e fomentar a valorização das artes e da cultura em todo o mundo na era digital. “A cultura tem o poder de transformar a sociedade e um potencial único para difundir novas formas de relacionamento e comunicação. É, portanto, essencial discutir formas de promover um maior investimento em políticas públicas para impulsionar a cultura e o conhecimento, bem como para proporcionar sustentabilidade ao setor das artes”.
Levando o tema a solo brasileiro, Aldo Valentim, professor e pesquisador brasileiro, também discutiu as novas tendências de consumo e como otimizar metodologias para ultrapassar os desafios da comunicação internacional. Ele observou que “a economia criativa representa 2,3% do PIB brasileiro”. Esta economia criativa tem um peso importante na geração de emprego e rendimento e no desenvolvimento das cidades e dos seus sectores culturais. Durante a pandemia, o processo de financiamento de projetos culturais foi fortemente afetado, em grande parte devido à situação econômica nacional. Superamos grandes desafios. Tivemos algumas iniciativas importantes do Governo Federal, tais como a Lei Aldir Blanc que impulsionou o setor cultural e mitigou os impactos da crise pandêmica”. Ele também fez uma provocação: “a cultura não pode estar à margem das políticas públicas. Tem de estar dentro do âmbito geral do setor público. Temos de voltar a nossa atenção para as indústrias culturais e compreender as plataformas de streaming e as redes sociais como aliados neste processo de distribuição de conteúdos culturais”.
O potencial das plataformas digitais e o acesso a conteúdos virtuais estiveram no discurso do criador chileno Alejo Arango, que participou na conferência com o seu avatar metaverso. “Somos as histórias que contamos”, foi o tema da participação de Alejo, que questionou “Como saímos da vanguarda e criamos modelos descentralizados para comunicar com o mundo, somos argentinos, chilenos, brasileiros, uruguaios, colombianos, etc. mas é como latino-americanos que o mundo nos vê”. A nossa diversidade cultural é a nossa riqueza e nos apresenta oportunidades para quebrar paradigmas e criar a nossa própria narrativa.
Como é que a cultura e o turismo foram afetados pela pandemia? As adversidades, tendências e realidade atual do turismo literário português foram abordadas pela Lídia Monteiro do Instituto Português de Turismo. “Um em cada dez empregos no mundo é no setor do turismo. Em Portugal, o turismo representa mais de 50% das exportações de serviços e é o primeiro sector de exportação do nosso país”, salientou a pesquisadora.
A Lídia salientou também que 15% do PIB de Portugal é gerado pelo turismo e que 9% dos empregos do país são gerados neste ramo. “O confinamento atingiu duramente o nosso setor. Os nossos serviços foram fechados. Temos de nos reinventar e assumimos o grande desafio de comunicar com as pessoas que não podiam visitar Portugal. Quebramos o silêncio e ativamos a nossa comunicação em campanhas digitais com o mundo. Mostramos que é possível viajar enquanto está em casa, através da literatura. Nas páginas dos livros, demos esperança de dias melhores e demos às pessoas experiências diferentes. Permitimos-lhes conhecer as paisagens e os lugares que inspiram os nossos escritores. As pessoas ficaram a conhecer Portugal, as nossas artes, a nossa gastronomia, sem sair de casa”.
Encerrando o ciclo de debates no segundo dia da conferência, Daniel Benchimol, Coordenador do Projecto 451, falou sobre a cultura digital e como a pandemia afetou e transformou o setor editorial na era dos criadores virtuais. “As tecnologias permitiram aos indivíduos criar conteúdo, mas como monetizar este conteúdo e gerar recursos na indústria criativa?” Perguntou ele.
“Há uma resistência à mudança, especialmente na publicação”, disse Benchimol. Segundo o especialista, é necessário quebrar este paradigma e mostrar ao “novo” consumidor literário o valor tanto das obras físicas como das digitais. “A nova geração, nascida na era da Netflix, tem fácil acesso à informação e uma urgência de consumo. Por conseguinte, é essencial investir em políticas públicas no campo editorial para continuar a distribuir títulos, histórias e emoções a todos os públicos”, concluiu.
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