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84% dos investigadores ibero-americanos escolheram publicar em inglês em detrimento da sua língua materna espanhola ou portuguesa em 2020
16 de julho de 2021
Secretaria-Geral
Ciência | Multilinguismo e Promoção das Línguas Portuguesa e Espanhola
Este número faz parte do avanço das conclusões do relatório Desafios para uma ciência em espanhol e português, promovido pela Organização de Estados Ibero-Americanos (OEI) em colaboração com o Real Instituto Elcano. • O espanhol e o português têm vindo a perder progressivamente importância como línguas da ciência na região ibero-americana, por isso, ambas as organizações defendem uma ciência aberta e plurilingue.
A OEI, em colaboração com o Real Instituto Elcano, apresentou esta quinta-feira as primeiras conclusões do estudo "Desafios para uma ciência em espanhol e português". O objetivo do relatório é obter uma melhor compreensão dos desafios enfrentados pela produção e divulgação científica em português e espanhol num contexto global em que o inglês é a língua franca da ciência. Aborda também como esta questão afeta os princípios de acesso universal ao conhecimento, comunicação e difusão científica e igualdade linguística, com especial ênfase no meio digital.
O documento baseia-se numa extensa investigação envolvendo consultas institucionais e entrevistas com representantes, peritos e investigadores ligados à ciência, incluindo os responsáveis por redes e repositórios científicos e editoriais na região ibero-americana. A versão final deste relatório será apresentada durante a Conferência Internacional das Línguas Portuguesa e Espanhola (CILPE2021), a ser realizada pela OEI em novembro, em Brasília.
O relatório de progresso chama a atenção para as consequências de uma produção e difusão científicas cada vez mais monolingues, analisando em particular a situação do português e do espanhol, consideradas duas línguas globais. Depois de analisados os textos publicados nos periódicos indexados na plataforma WoS (Web of Science), em 2020, pode constatar-se que 84% dos investigadores da região Ibero-americana optaram por publicar os seus trabalhos em inglês, em detrimento das línguas maternas. Apenas 3% dos investigadores portugueses optaram pela língua portuguesa, assim como 12% dos brasileiros. Nos países de língua espanhola, em Espanha, 13% dos cientistas publicaram os seus trabalhos em espanhol, 12% no México, 16% no Chile, e com percentagens a rondar os 20%, na Argentina, Colômbia e Peru.
De acordo com o documento, esta situação tem consequências relevantes na vitalidade das línguas, reduzindo a diversidade linguística do mundo científico e académico e diminuindo o acesso ao conhecimento. Este “domínio do inglês” em relação às restantes línguas leva os autores do documento a questionarem as consequências para a diversidade da produção e difusão do conhecimento e, também, as formas como os sistemas científicos nacionais, as instituições culturais e as redes multilaterais devem abordar esta questão.
Segundo o Secretário-Geral da OEI, Mariano Jabonero, a OEI está empenhada na promoção da ciência multilingue e aberta, numa comunidade de 800 milhões de falantes, que continua a crescer e, por conseguinte, vê "um potencial de riqueza" para ambas as línguas num mundo que é atualmente "monopolizado pelo inglês na ciência". A este respeito, o Presidente do Real Instituto Elcano, José Juan Ruiz, salientou que "dos mais de 7 milhões de artigos publicados em revistas científicas, 97% em mais de 150 disciplinas são escritos em inglês e menos de 1% são em espanhol ou português".
Ángel Badillo, investigador principal do Real Instituto Elcano, apresentou algumas das principais conclusões, entre as quais se destaca que "70% do investimento em I&D em toda a América Latina provém do Brasil e a principal fonte de financiamento é o setor público. Dois em cada três investigadores são desse país, uma percentagem mais elevada do que todos os investigadores de Espanha e Portugal". Além disso, entre as suas recomendações, declarou que "a cooperação ibero-americana deve ter em conta índices de impacto, sistemas de avaliação e um compromisso com a ciência aberta".
"Combater a ditadura do inglês”
Durante os seus discursos, os especialistas convidados para o evento salientaram a necessidade de aumentar o financiamento público em áreas como os incentivos aos investigadores, bem como de começar a pensar em novas formas de avaliar e medir indicadores, a fim de se afastar daquilo a que chamaram "a ditadura do inglês". Na Europa, disse Elea Giménez, do CSIC, "já se fala em implementar sistemas nacionais que reflitam a produção real dos países", com "indicadores que não são impostos pelas empresas anglo-saxónicas", algo que na América Latina "ainda é uma tarefa pendente".
José Paulo Esperança, da Fundação para a Ciência e a Tecnologia de Portugal, defende que é “fundamental afirmarmos as nossas línguas no campo da ciência, mas também afirmar as nossas instituições, notoriedade e visibilidade da nossa produção científica.” O investimento em I&D triplicou em Portugal, apesar de apenas representar 0,5% do PIB. Referiu ainda que “temos objetivos claros para atingir 3%, com uma contribuição relevante por parte do setor privado.”
Por sua vez, María Fernanda Beigel, investigadora do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (CONICET) da Argentina, defendeu a promoção de políticas de tradução para promover mais revistas científicas multilingues. "Isto dará uma oportunidade às publicações latino-americanas", disse. Andréa Vieira, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Brasil (CAPES), disse que "é muito importante quebrar a hegemonia dos indicadores que colocam o inglês em evidência. No Brasil, por exemplo, mais de 90% das publicações nas ciências exatas são em inglês. No entanto, nas ciências sociais, até 90% estão em português".
Durante o encerramento do evento, Ana Paula Laborinho, Diretora-Geral de Bilinguismo e Difusão da Língua Portuguesa da OEI, salientou que "escrever ciência numa língua é mais do que isso: é pensar nessa língua; é uma representação cultural do mundo". Para a Diretora da OEI em Portugal, "a repartição do acesso ao conhecimento tem impacto no desenvolvimento económico das regiões". Por fim, Ana Capilla, Diretora do Ensino Superior e da Ciência da OEI, recordou que um estudo recente da organização concluiu que menos de 6% dos investigadores na Ibero-América divulgam o seu trabalho, o que constitui um problema grave se a grande maioria o fizer em inglês.